O café é uma bebida conhecida e consumida mundialmente, preparada a partir dos grãos torrados e moídos do fruto do cafeeiro. Esse fenômeno se deve, em grande parte, ao Brasil, que se tornou o maior produtor e exportador do mundo e 2o maior consumidor. Presente na xícara dos brasileiros, o café é muito mais que um produto agrícola: é patrimônio e identidade nacional.
“Em um grão, um mundo. Em uma xícara, a força de muitas mãos. O café é a abertura de ferrovias, a modernização de portos, a mudança nas relações de trabalho, geração de riquezas e novos hábitos. É campo, cidade, arte, literatura e arquitetura. Prazer e sociabilidade. É trabalho com a planta, o fruto, a saca, a lata, o torrador e a máquina.” Texto do Museu-do-Café.
Com a disseminação do Ayurveda no Brasil, através de cursos de formação e da internet, muitos brasileiros e brasileiras têm se interessado nessa rica ciência milenar. Surge então a pergunta:
“Mas, e o café no Ayurveda, pode?”
Quando falamos em alimentação na visão do Ayurveda, antes de pensarmos no que podemos ou não consumir, devemos nos perguntar:
- – Quem vai consumir aquele alimento?
- – Como essa pessoa está se sentindo?
- – Onde e em qual horário ela vai consumir?
- – Quais as qualidades daquele alimento?
- – Qual quantidade vai ser consumida?As respostas a essas perguntas vão servir de base para escolher os alimentos mais adequados a cada momento e a cada pessoa. Então, quando nos perguntamos se algum alimento faz bem ou não, a resposta é: depende!
Na visão do Ayurveda, as qualidades do café ou de qualquer alimento, se definem pelos sabores percebidos pela língua somados aos efeitos que geram não apenas na boca, mas no corpo todo e na mente. É o gosto que sentimos mais o efeito que aquele sabor gera no corpo. Para cada um dos seis sabores, combinam-se dois dos elementos fundamentais:
Doce (svadu): Terra e Água
Ácido (amla): Terra e Fogo Salgado (lavana): Água e Fogo Amargo (tikta): Ar e Éter Picante (ushna): Fogo e Ar Adstringente (kashaya): Ar e Terra
“Quando nos alimentamos fazemos uma troca energética com a Natureza e seus cinco elementos: Éter, Ar, Fogo, Água e Terra.”
O café tem como predominantes os sabores (rasa) amargo e azedo. A sua potência (virya) é quente mesmo quando consumido frio ou descafeinado e o efeito pós-digestivo (vipaka) é picante, aumentando o calor interno e diminuindo tecidos. Por último mas não menos importante, o efeito na mente (maha gunas) é rajasico, nos deixando em estado de alerta e gerando uma sensação de energia.
O sabor amargo é composto principalmente por ar e éter, é frio e seco e naturalmente aumenta esses elementos no nosso corpo. Dá uma sensação de limpeza na boca, eliminando outros sabores do paladar. Estimula o apetite e tem uma ação desintoxicante, reduzindo o excesso de líquido e de gordura muscular. Em excesso, aumenta a secura do corpo, levando aos desequilíbrios de vata, como constipação, dores de cabeça, tremores, osteoporose, tecidos (dhatus) enfraquecidos e pouca vitalidade (prana) no corpo.
Já o sabor azedo é composto principalmente pelos elementos terra e fogo. É leve, quente e oleoso, estimula a salivação e abre o apetite. Em outras palavras, ele estimula o agni, ou seja, aumenta nossa potência digestiva, auxiliando os movimentos peristálticos. Mas em excesso, aumenta a sede, a acidez, gera sensação de queimação no peito e pode levar a desequilíbrios de pitta como úlceras e gastrites e a sensibilidade nos olhos e dentes.
Assim, as qualidades ou os atributos desse grão, equilibram o dosha kapha porém aumentam os doshas vata e pitta, além de gerar um efeito rajásico na mente. Em excesso, deixa a mente agitada, hiperativa e instável. E, seguindo o raciocínio do Ayurveda “oposto diminui oposto, semelhante aumenta semelhante”, o efeito do café somado aos diversos estímulos sensoriais que recebemos no dia a dia, como sons, telas, redes sociais, sabores artificiais e estresse, resultam em uma agitação desproporcional gerando falta de concentração, ansiedade, oscilação de humor, irritabilidade, insônia e exaustão.
Além disso tudo, o café aqui no Brasil é geralmente consumido bastante adocicado e por esse ser outro assunto que rende uma boa conversa, deixo aqui um link super interessante sobre esse o açúcar, outro alimento muito consumido nos dias de hoje: https://vidaveda.org/qual-e-o-melhor-acucar/
Voltando ao tema principal, aquele tão apreciado “cafezinho” parece sempre encontrar um bom “motivo”. Que seja para acordar, entre reuniões, depois do almoço, ou à tarde para “dar aquele gás”. E há, sem dúvidas, momentos em que o café pode sim ser um remédio mas em outros momentos ele age mais como um veneno. Portanto, é necessário se perguntar porque está consumindo, em qual horário, quantas vezes ao dia e observar como se sente depois para não gerar um ciclo vicioso de estímulo que só deprecia o corpo e hiper excita a mente dando a falsa sensação de energia.
Se o motivo do consumo é a falta de energia, é preciso investigar a origem desse cansaço e não somente tentar “recuperar” essa energia em uma xícara de café. Perceba a qualidade do sono e se dê momentos de repouso, de autocuidado e de silêncio. Quando precisar de energia, foco e disposição, opte por um alimento que seja mais nutritivo como um leite vegetal morno com especiarias ou uma porção de fruta cozida, essas são fontes de energia real que promovem vigor e nutrição.
Em dias mais frios e úmidos, quando o dosha kapha predomina, ou quando a mente está mais tamasica (estado mental de inércia e preguiça ), o café trará acolhimento e ânimo, deixando o corpo leve e quente e a mente mais alerta (rajasica). No entanto, em um dia mais quente ou seco ou quando a rotina e a mente estão mais agitadas, recorrer ao café pode não ser uma boa escolha pois poderá drenar a energia e agitar a mente ainda mais.
Por fim, o quente, o amargo, o azedo e o picante do café, podem ser atenuados por substâncias com características opostas, são os famosos antídotos. Como, por exemplo, preparar o café com óleo de coco, que é frio e doce, ou com cardamomo, que é doce e refrescante. Seguindo essa lógica, elementos com propriedades semelhantes se somam, como, prepará-lo com canela, que é quente e picante, ou com cacau, que é quente e amargo.
A natureza possui temperamentos, qualidades e características em proporções diferentes, chamadas de gunas. O antigo sistema de medicina do Ayurveda, entende o mundo por meio da observação da natureza e da qualidade das coisas, nos ensinando que podemos e devemos encontrar o equilíbrio a cada instante, seja por meio da alimentação, do sono, do movimento ou do silêncio.
“Maior que a conquista em batalha de mil homens é a conquista de si mesmo” Buda